quarta-feira, novembro 16, 2011

bird

asas para mim,
parem os motores
e as cornetas;

estourem os artifícios,
assombrem-se os sentinelas
e chispem as labaredas
que meu voo é lindo;

trago cores nas plumas,
uma canção no bico
e nos olhos o infinito.

noturno



vagalumes se cruzam nas avenidas
para onde, pilotos estranhos?
de tão rápidos, imóveis
de tão cheios, minguantes
de tão mudos,  gritando.

blues


quando o primeiro bicho
ficou alegremente triste.

ocaso


é quase noite
e eu sequer amanheço;

o sol se foi
e eu sequer me conheço;

minha alma mateira
perdeu o tino entre as estrelas.

happy end


não
que não seja a guilhotina

aceito morrer
no trinkar dos teus dentes

assim,
com tua músika exata
ainda sentirei
o ar furioso de tuas narinas

e, quem sabe,
levarei um pouco de batom
para o inferno.

quarta-feira, novembro 09, 2011

amaresia

faz tempo

que não te dou palavras
nem te faço um porto
para que possas chegar

faz tempo

que não estou a tempo
de em teu olho mergulhar

faz tempo
faz-se em mim um outro mar

em que te busco
e te apreendo
me desconheço
e me satisfaço
te espero
e me desfaço

faz tempo que não te digo

o quanto me alegra
e me comove
como tua poesia me apraz
quando me chega

faz tempo que não há tempo

que me flagro navegando
no nosso tempo sem tempo
no nosso mar sem porto
no nosso amor tão lento

em nossa maresia.

spring

te quero em mim
brotando a cada ano
para que teu perfume
não me esqueça.

ultimatum

brinque comigo
me afague
me pegue
me lance no ar

me faça seu fotógrafo
seu desenhista
e sempre se esconda de mim
 
nossa exposição de estreia
já acabou
renovemos os quadros e as tintas

onde?
no ateliê de nossas vidas
 
te quero monogâmica
mas cromática

te quero esfinge
que me decifra
e me devora
que não se satisfaz
e me quer mais

se assim não me quer
não me queira

não precisa de última ceia
última transa
piegas cartas
e velhos poemas

siga seu rumo
não me acene
não preste contas
não conclua
nem condene

faz-te pausa
cor do vento

se me quer
me queira
me ame
e me dê fome

enquanto durar nossa música lenta
ou as cores que nosso amor redime.

segunda-feira, novembro 07, 2011

presságio

foi como se a fantasia
por mim passasse
e eu quase visse
seu aceno de asfalto

e por um instante
não fosse demais
a loucura intacta

o roncinante
de repente me estranhasse
e, á galope,
no céu pra sempre se enfiasse

na retina,
um falso encantamento
a luz de todas as luzes
arrefecesse

como se
através dos séculos
toda a dor
não se consumasse

e nada de novo
em mim acontecesse.

surhomme


se tu veux que j’étreigne le temps
pour que tu atteignes vite
tous les dimanches de la vie
attends !
avant que tu sois étendu sur l’obscur avenir
y en reposant tes dos fatigués
il faut que tu n’enfreignes point l’attente
celle nécessaire
pour admirer le sourire
pour sentir les fleurs
pour répondre au gest
pour s’entendre avec le miroir de soi-même

mais se tu veux que j’étende,
de plus en plus, à l’infini, ces moments-là
du sourire que t’arrive
du jasmin que t’étourdit
du gest que t’embarasse
ou du miroir que te séduit
attends...
je n’en puis plus,
c’est l’heure d’enterrer les morts.

Paris, le 25 janvier 2000

sexta-feira, novembro 04, 2011

ocaso


é quase noite
e eu
sequer amanheço;

o sol se foi
e eu
sequer me conheço;

minha alma mateira
perdeu o tino
entre as estrelas.

le loup et l’agneau

les mots du pouvoir sonts toujours les plus forts
nous le montrerons à tort
 à La Fontaine



un jeune agneau buvait
dans le courant d’un jolie fleuve
un loup bien affamé, que en ces lieux se promenait,
cherchait aventure, celle de manger quelque chose;

 - d’où vient ton grand courage !
dit cet animal plein de rage
- tu seras puni de ton insolence!

mais, répond l’agneau:
- monsieur le député,
emmenez une mensage à votre presidence,
nous connaissons le principe de l’egalité,
tous les bêtes de quatre pates ne doivent pas être objet de médisance;

- qui es-tu espèce de porc,
pour savoir ce qu’est la raison
pour comprendre ce qu’est le tort
qui es-tu sinon un ignorant ?

- je suis avant tout un animal
reprit, en haute voix, l’agneau
et si vous m’entend ou non, ça m’est égal
c’est moi qui soutien votre boulot !

alors, là-dessus comme chez nous,
au fond des forêts comme dans la cité des anges
sans procès et sans sentence
le loup l’emporte et puis le mange.


Paris, mardi le 10 janvier 2000.

queda dupla

pulei do último,
caí em mim

ninguém viu, 
a não ser uma multidão de olhos transeuntes
que eu mesmo havia perdido
na sarjeta dos últimos mil anos.

quinta-feira, novembro 03, 2011

escrita

queria fazer um poema purificado de angústia
mas não consigo
escrever é transbordamento
              é naufrágio
              é álibi
              é elegia
              é tormento
não é entreter
é, no máximo, despistar
não enaltecer

escrever é ver-se
mas não é só
é também o contrário disso
é promessa e é retrato
é busca e é fato
ora profano
ora beato
do caos e ordem, conjunção
de eros e tanatos, compromisso
escrever é risco.